quarta-feira, 9 de novembro de 2016

Marcos Antônio de Souza e Josué Modesto dos Passos Subrinho

O presente trabalho ente trabalhotem como objetivo central fazer uma analise que busque promover a interlocução entre duas obras: Memoria sobre a Capitania de Sergipe de Marco Antônio de Souza e Reordenamento do trabalho. Trabalho escravo e trabalho livre no nordeste açucareiro. Sergipe 1850-1930. Está de Josué Modesto dos Passos Subrinho. Obras escritas em períodos bastante distintos, a primeira do Início do século XIX, a segunda no final do século XX. Primeiramente é preciso conhecer um pouco dos autores, começando por Marcos Antônio de Souza, padre nascido em Salvador no ano 1871, ingressa na carreira eclesiástica e se tornar vigário do Pé do Banco, hoje Siriri, em Sergipe. Foi um padre que fez o seminário dentro dos moldes do iluminismo, em consequência da nova orientação de estudos, posterior a reforma Pombalina, reforma está que expulsou em 1860 os jesuítas do Brasil e pôs nas mãos do estado o sistema educacional do Brasil. Além de ter procurado organiza melhor a exploração das riquezas na colônia, aumentando os ganhos de Portugal, tão necessários para alcançar sua passagem da etapa   mercantil para uma economia industrial. Neste contexto está Marco Antônio de Souza, influenciado pela efervescência de ideias novas, que surgiram na Europa do século XVIII e XIX, entre elas está os ideais liberdade, igualdade e fraternidade da revolução Francesa, o positivismo e o liberalismo. Este último foi o que mais inspirou Marcos de Souza em sua obra e é facilmente percebido em toda sua escrita. O liberalismo pregado no livro memorias sobre capitania de Sergipe tem como principal referência, o inglês Adam Smith e sua obra “A riqueza das nações”  publicada pela primeira vez em Londres em março de 1776. Adam Smith foi um dos principais, se não o principal, teórico do liberalismo econômico, suas ideias baseava-se na total liberdade econômica para que a iniciativa privada pudesse se desenvolver, sem a intervenção do estado. Segundo o mesmo a livre concorrência provocaria uma queda de preços e o desenvolvimento tecnológico, necessários para o aumento da produção e uma melhor qualidade dos produtos. As ideias de Adam Smith caíram como uma luva, nas mãos da burguesia europeia, que pretendia acaba com a política mercantilista europeia e com os direitos feudais que ainda persistiam em algumas regiões da Europa, promovendo uma economia industrial forte e sem a interferência do estado. Essa obra teve grande repercussão em toda a Europa e em suas colônias. E foi uma referência bastante significativa na obra de Marcos Antônio de Souza, evidenciada nas três citações de Adam Smith feitas no decorre de sua obra.
Em seu livro, Marcos de Souza aponta as potencialidades econômicas da capitania de Sergipe d’EL-Rei e sugeri melhorias, essas voltadas para o interesse e grandeza da nação. Sua obra indicar o caminho para o progresso, mostrando como aumentar a produção, otimizar os lucros e promover o progresso da agricultura, aliás a palavra progresso é tema constante em toda sua obra. Marcos de Souza enxerga o atraso como falta de produtividade e quem não é produtivo é descrito em seu texto como errante, preguiçoso e indolente. Por vezes se mostra preocupado com a insuficiência da produção, segundo o mesmo a produção tem que exceder, para que se possa vender o excedente. Em seu texto a indústria é apontada como uma fonte perene de opulência e riqueza, a inexistência de máquinas e equipamentos modernos, são as principais causas da improdutividade e pobreza da população, a falta desses meios retarda o progresso da população. Chega a cita a Inglaterra como modelo de prosperidade, sugerindo a industrialização como fonte de riqueza e prosperidade para a nação. Marcos de Souza mesmo sendo padre trata em sua obra de temas bastantes distintos, como geografia, composição etnográfica, economia, demografia,  social e politica de Sergipe. Essa variedade temática percebida em sua obra mostra quão elevado era o seu nível intelectual, além de demonstra o quanto esse homem se encontrava inteirado das várias correntes teóricas que surgiram ainda no século XVII.
            Mesmo sendo um livro de memorias, fora dos moldes acadêmicos, a obra de Marcos Antônio de Souza não foi negligenciada pela historiografia sergipana, sendo citado pelos principais nomes da nossa historiografia, seja explicita ou implicitamente, seja para criticar ou para legitimar uma tese. Entre os autores que beberam dessa fonte inesgotável, para historiografia sergipana, está Josué Modesto dos Passos Subrinho, este será tratado no texto que se segue, onde será demonstrado como esse autor recepcionou Marcos de Souza em sua obra.
            Josué Modesto dos passos sobrinho é natural de Ribeirópolis, nasceu em 22 de janeiro de 1956. Dedicou sua formação a economia, graduando-se em Ciências Econômicas pela UFS em 1977, concluindo seu mestrado 1983 e doutorado em ciências econômicas na Unicamp em 1992 na área de história econômica. Foi vice-reitor no período 1996 a  2004 é professor associado do departamento de economia da UFS e atual reitor da universidade federal da integração latino Americana. UNILA. O livro que o presente texto ira trata desse autor é o “Reordenamento do trabalho. Trabalho escravo e trabalho livre no Nordeste açucareiro. Sergipe 1850 – 1930”. É um trabalho de história econômica, voltado para as questões da transição do trabalho escravo para o livre e suas implicações na sociedade, mostrando as várias faces de uma mesma história.  Sem estabelecer dogmas, muito menos generalizações que sirvam para todo o estado. E fazendo uma critica as generalizações dogmáticas, feitas pela historiografia tradicional a toda região do nordeste.
            O livro é uma tese de doutorado em economia defendida no instituto de economia da UNICAMP em 1992, sob a orientação do Prof. Dr. Luís Felipe de Alencastro. A obra foi produzida com o objetivo de apontar novos ângulos e novas indagações, com relação à questão da transição do trabalho escravo para o trabalho livre no Brasil, e mostra as especificidades de Sergipe nesse processo. Seu trabalho preenche uma lacuna não somente da historiografia sergipana, mais também da historiografia nacional, que segundo o autor, desprezou fatos importantes na questão do engajamento do trabalho escravo para o trabalho livre no Nordeste. O autor vai seguir o caminho inverso da historiografia tradicional, composta por autores como: Celso Furtado, Caio Prado Junior, Emília Viotti da Costa, entre outros, esses autores defendem que a estagnação econômica do nordeste, teria provocado o fim da sociedade patriarcal e excedente de mão de obra, suficiente para supri não só as necessidades do nordeste como os de outras regiões do país, tornando assim fácil a transição do trabalho escravo para o livre. A obra segue a linha marxista e a nova historia corrente teórica da escola dos Annales, que despreza acontecimento isolado e insiste na “longa duração” e analise das estruturas particulares de cada época, derivando sua atenção da vida politica para a atividade econômica e a organização social. O livro usa uma infinidade de fontes, várias bibliotecas e arquivos, no Rio de janeiro, arquivo nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, arquivo público de Sergipe, Biblioteca central da UFS, Biblioteca do Instituto Histórico e geográfico de Sergipe, Biblioteca do ministério da fazenda, em salvador, biblioteca da faculdade de filosofia da UFBA.                                                                              
            A obra enfatiza as dificuldades encontradas pelos senhores de engenho na transição do trabalho escravo para o trabalho livre. O autor discorda de uma total estagnação econômica do Nordeste e também da suposta fácil transição do trabalho escravo para o trabalho livre. Segundo o mesmo, as mais importantes obras que tratam do tema partem da hipótese de que houve uma drenagem de escravos dos engenhos para a economia cafeeira e de uma fácil substituição. Em sua dissertação o autor vai mostra que pelo menos em Sergipe, não foi bem assim. Os senhores de engenho dos principais centros produtores, não só não venderam seus escravos para proprietários de outras regiões, como compraram escravos em outras regiões da província e em outras regiões do Brasil. Argumenta ainda, que a redução da população escrava foi muito mais acentuada nas Províncias do nordeste da pecuária e do algodão e agricultura de subsistência, fato que segundo o autor, tem merecido pouco destaque. Mostra ainda que entre 1873-1887, Sergipe teve a menor redução da população escrava do Nordeste, enquanto neste houve uma redução de 68,52% em Sergipe a redução foi de 48,82%. Outra questão levantada em seu livro é sobre o monopólio das terras agricultáveis no nordeste. Subrinho vai demonstra que embora não se tenha dados seguros, á fortes indícios de que os engenhos sergipanos não possuíam grande extensão territorial e de que os senhores de engenho nunca chegaram a monopolizar efetivamente a propriedade fundiária na zona da mata sergipana. Para Subrinho não se pode associar os engenhos sergipanos do século XIX aos proclamados engenhos nordestinos do século XVI, XVII, de terras a abundantes, exigentes de muitos capitais e de abundante mão-de-obra.        
“São muito ativos os moradores se Sergipe, por que com vinte cativos fazem maior quantidade de açúcar do que muitos ricos lavradores do recôncavo da Bahia com os enfraquecidos braços de cem escravos” (Souza, 1808:26)
            Na citação acima Subrinho usa um trecho do livro Memorias Sobre Capitania de Sergipe, para  legitima sua tese de que os engenhos em Sergipe eram menores. Se analisarmos a citação abaixo, vamos perceber que não foi esse o objetivo de Souza ao fazer essa comparação.

“Ali são mais bem tratados estes homens desgraçados, sujeitos à lei do cativeiro; são nutridos com saudáveis alimentos de vegetais com feijões e com milho que por toda parte colhe com abundância.” ( Souza, 1808: 26)
            Porém, mesmo que o objetivo de Souza não tenha sido a dimensão territorial dos engenhos, mas sim a qualidade de vida dos escravos e sua produção. Não da para dizer,  que foi um uso inapropriado, pois o trecho usado pro Subrinho deixa clara a dimensão territorial dos engenhos Sergipanos com relação aos do recôncavo baiano. 
Ainda com relação à mão-de-obra, Subrinho vai confirma a existência de muitos braços, mais não disponíveis a qualquer tempo, pois os mesmos não estavam expropriados de meios de subsistência. Em vários momentos da obra a fácil subsistência é tratada por Subrinho, tema também recorrente na obra de Souza, evidenciado nas citações abaixo.
“ Vivem contentes os povos de todos os distritos daquela capital, porque gozam das mais fáceis cômodas da vida humana. Nos seus mangues se criam diversas especeis de mariscos; nos seus rios se nutrem saborosos pescados: robalos, carapebas, piauis, tainhas e gostosas curimãs.” ( Souza, 1808: 25).

“As terras são fertilíssimas; as margens dos rios são cobertas de húmus ou massapê em que se plantam os feijões, que serve de ordinário sustento a todos os habitantes deste território, de sorte que ali não há mesa em que senão apresente esta vianda”. (Souza, 1808:25).

Subrinho vai mostra que converte população livre em mão-de-obra para a lavoura não foi tão simples assim, foi preciso elabora medidas de repreensão à ociosidade. Engana-se quem pensa que ser livre é ter a liberdade de não trabalha, uma aliança entre os senhores de terras e estado foi feita, com o objetivo de criar leis que obriga-se a população livre ao trabalho. Porém era impossível conciliar os valores do liberalismo, da liberdade individual, pautada na constituição da monarquia, visto como os valores fundamentais da civilização ocidental, com a aplicação de mecanismos de coerção, com a criminalização da ociosidade, tão defendida nos diversos jornais de Sergipe e nos relatórios da província e da câmara. Com o argumento que tais ideais só funcionavam na Europa onde a subsistência era difícil. As leis de coerção era uma opção pelas trevas e pelo atraso, por isso a inviabilidade delas.
            Por fim mais não menos importante Subrinho também mostra que no nordeste também houve crescimento econômico, em ritmo lento se comparado com o Sudeste cafeeiro, mais houve crescimento. Além de que os escravos foram à saída econômica para muitos senhores de engenho, em tempos de crise açucareira, pois permitiram a transferência para o sudeste a preço de ouro de um ativo de futuro incerto. O Subrinho vai aponta ainda as várias dificuldades enfrentadas por Sergipe com relação as importações, exportações na produção de gêneros alimentícios. E mostra apenas os motivos que levaram ao desenvolvimento, ou que barraram o mesmo. Sua obra abre um campo para análise ainda vasto e com muitas possibilidades para outras interpretações.

REFERÊNCIAS
SOUZA, Marcos Antônio de. Memória Sobre a Capitania de Sergipe, ano de 1808. Aracaju-Sergipe, 2005.

SUBRINHO, José Modesto dos Passos. Reordenamento do Trabalho: Trabalho Escravo e Trabalho Livre no Nordeste Açucareiro. Sergipe 1850/1930.  Aracaju Funcaju, 2000.  
SILVA, José Calazans Brandão da. Aracaju e outros temas sergipanos. Aracaju: Governo de Sergipe – FUNDESC, 1992.


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