Marcos Antônio de Souza e Josué Modesto dos Passos Subrinho
O
presente trabalho tem
como objetivo central fazer uma analise que busque promover a interlocução entre
duas obras: Memoria sobre a Capitania de Sergipe de Marco Antônio de Souza e
Reordenamento do trabalho. Trabalho escravo e trabalho livre no nordeste
açucareiro. Sergipe 1850-1930. Está de Josué Modesto dos Passos Subrinho. Obras
escritas em períodos bastante distintos, a primeira do Início do século XIX, a
segunda no final do século XX. Primeiramente é preciso conhecer um pouco dos
autores, começando por Marcos Antônio de Souza, padre nascido em Salvador no
ano 1871, ingressa na carreira eclesiástica e se tornar vigário do Pé do Banco,
hoje Siriri, em Sergipe. Foi um padre que fez o seminário dentro dos moldes do
iluminismo, em consequência da nova orientação de estudos, posterior a reforma
Pombalina, reforma está que expulsou em 1860 os jesuítas do Brasil e pôs nas
mãos do estado o sistema educacional do Brasil. Além de ter procurado organiza
melhor a exploração das riquezas na colônia, aumentando os ganhos de Portugal, tão
necessários para alcançar sua passagem da etapa
mercantil para uma economia
industrial. Neste contexto está Marco Antônio de Souza, influenciado pela
efervescência de ideias novas, que surgiram na Europa do século XVIII e XIX,
entre elas está os ideais liberdade, igualdade e fraternidade da revolução
Francesa, o positivismo e o liberalismo. Este último foi o que mais inspirou
Marcos de Souza em sua obra e é facilmente percebido em toda sua escrita. O liberalismo
pregado no livro memorias sobre capitania de Sergipe tem como principal
referência, o inglês Adam Smith e sua obra “A
riqueza das nações” publicada pela
primeira vez em Londres em março de 1776. Adam Smith foi um dos principais, se
não o principal, teórico do liberalismo econômico, suas ideias baseava-se na
total liberdade econômica para que a iniciativa privada pudesse se desenvolver,
sem a intervenção do estado. Segundo o mesmo a livre concorrência provocaria
uma queda de preços e o desenvolvimento tecnológico, necessários para o aumento
da produção e uma melhor qualidade dos produtos. As ideias de Adam Smith caíram
como uma luva, nas mãos da burguesia europeia, que pretendia acaba com a
política mercantilista europeia e com os direitos feudais que ainda persistiam
em algumas regiões da Europa, promovendo uma economia industrial forte e sem a
interferência do estado. Essa obra teve grande repercussão em toda a Europa e
em suas colônias. E foi uma referência bastante significativa na obra de Marcos
Antônio de Souza, evidenciada nas três citações de Adam Smith feitas no decorre
de sua obra.
Em
seu livro, Marcos de Souza aponta as potencialidades econômicas da capitania de
Sergipe d’EL-Rei e sugeri melhorias, essas voltadas para o interesse e grandeza
da nação. Sua obra indicar o caminho para o progresso, mostrando como aumentar
a produção, otimizar os lucros e promover o progresso da agricultura, aliás a
palavra progresso é tema constante em toda sua obra. Marcos de Souza enxerga o
atraso como falta de produtividade e quem não é produtivo é descrito em seu
texto como errante, preguiçoso e indolente. Por vezes se mostra preocupado com
a insuficiência da produção, segundo o mesmo a produção tem que exceder, para
que se possa vender o excedente. Em seu texto a indústria é apontada como uma
fonte perene de opulência e riqueza, a inexistência de máquinas e equipamentos
modernos, são as principais causas da improdutividade e pobreza da população, a
falta desses meios retarda o progresso da população. Chega a cita a Inglaterra
como modelo de prosperidade, sugerindo a industrialização como fonte de riqueza
e prosperidade para a nação. Marcos de Souza mesmo sendo padre trata em sua obra
de temas bastantes distintos, como geografia, composição etnográfica, economia,
demografia, social e politica de
Sergipe. Essa variedade temática percebida em sua obra mostra quão elevado era
o seu nível intelectual, além de demonstra o quanto esse homem se encontrava
inteirado das várias correntes teóricas que surgiram ainda no século XVII.
Mesmo
sendo um livro de memorias, fora dos moldes acadêmicos, a obra de Marcos Antônio
de Souza não foi negligenciada pela historiografia sergipana, sendo citado pelos
principais nomes da nossa historiografia, seja explicita ou implicitamente,
seja para criticar ou para legitimar uma tese. Entre os autores que beberam
dessa fonte inesgotável, para historiografia sergipana, está Josué Modesto dos
Passos Subrinho, este será tratado no texto que se segue, onde será demonstrado
como esse autor recepcionou Marcos de Souza em sua obra.
Josué Modesto dos passos sobrinho é natural de
Ribeirópolis, nasceu em 22 de janeiro de 1956. Dedicou sua formação a economia,
graduando-se em Ciências Econômicas pela UFS em 1977, concluindo seu mestrado 1983
e doutorado em ciências econômicas na Unicamp em 1992 na área de história
econômica. Foi vice-reitor no período 1996 a
2004 é professor associado do departamento de economia da UFS e atual
reitor da universidade federal da integração latino Americana. UNILA. O livro
que o presente texto ira trata desse autor é o “Reordenamento do trabalho. Trabalho escravo e trabalho livre no
Nordeste açucareiro. Sergipe 1850 – 1930”. É um trabalho de história
econômica, voltado para as questões da transição do trabalho escravo para o
livre e suas implicações na sociedade, mostrando as várias faces de uma mesma
história. Sem estabelecer dogmas, muito
menos generalizações que sirvam para todo o estado. E fazendo uma critica as
generalizações dogmáticas, feitas pela historiografia tradicional a toda região
do nordeste.
O livro
é uma tese de doutorado em economia defendida no instituto de economia da
UNICAMP em 1992, sob a orientação do Prof. Dr. Luís Felipe de Alencastro. A
obra foi produzida com o objetivo de apontar novos ângulos e novas indagações,
com relação à questão da transição do trabalho escravo para o trabalho livre no
Brasil, e mostra as especificidades de Sergipe nesse processo. Seu trabalho preenche
uma lacuna não somente da historiografia sergipana, mais também da
historiografia nacional, que segundo o autor, desprezou fatos importantes na
questão do engajamento do trabalho escravo para o trabalho livre no Nordeste. O
autor vai seguir o caminho inverso da historiografia tradicional, composta por autores
como: Celso Furtado, Caio Prado Junior, Emília Viotti da Costa, entre outros, esses
autores defendem que a estagnação econômica do nordeste, teria provocado o fim
da sociedade patriarcal e excedente de mão de obra, suficiente para supri não
só as necessidades do nordeste como os de outras regiões do país, tornando
assim fácil a transição do trabalho escravo para o livre. A obra segue a linha
marxista e a nova historia corrente teórica da escola dos Annales, que despreza acontecimento isolado e insiste na “longa
duração” e analise das estruturas particulares de cada época, derivando sua
atenção da vida politica para a atividade econômica e a organização social. O
livro usa uma infinidade de fontes, várias bibliotecas e arquivos, no Rio de
janeiro, arquivo nacional, Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, arquivo
público de Sergipe, Biblioteca central da UFS, Biblioteca do Instituto
Histórico e geográfico de Sergipe, Biblioteca do ministério da fazenda, em
salvador, biblioteca da faculdade de filosofia da UFBA.
A obra
enfatiza as dificuldades encontradas pelos senhores de engenho na transição do
trabalho escravo para o trabalho livre. O autor discorda de uma total estagnação
econômica do Nordeste e também da suposta fácil transição do trabalho escravo para
o trabalho livre. Segundo o mesmo, as mais importantes obras que tratam do tema
partem da hipótese de que houve uma drenagem de escravos dos engenhos para a
economia cafeeira e de uma fácil substituição. Em sua dissertação o autor vai
mostra que pelo menos em Sergipe, não foi bem assim. Os senhores de engenho dos
principais centros produtores, não só não venderam seus escravos para
proprietários de outras regiões, como compraram escravos em outras regiões da
província e em outras regiões do Brasil. Argumenta ainda, que a redução da
população escrava foi muito mais acentuada nas Províncias do nordeste da
pecuária e do algodão e agricultura de subsistência, fato que segundo o autor,
tem merecido pouco destaque. Mostra ainda que entre 1873-1887, Sergipe teve a
menor redução da população escrava do Nordeste, enquanto neste houve uma
redução de 68,52% em Sergipe a redução foi de 48,82%. Outra questão levantada
em seu livro é sobre o monopólio das terras agricultáveis no nordeste. Subrinho
vai demonstra que embora não se tenha dados seguros, á fortes indícios de que
os engenhos sergipanos não possuíam grande extensão territorial e de que os
senhores de engenho nunca chegaram a monopolizar efetivamente a propriedade
fundiária na zona da mata sergipana. Para Subrinho não se pode associar os
engenhos sergipanos do século XIX aos proclamados engenhos nordestinos do
século XVI, XVII, de terras a abundantes, exigentes de muitos capitais e de
abundante mão-de-obra.
“São
muito ativos os moradores se Sergipe, por que com vinte cativos fazem maior
quantidade de açúcar do que muitos ricos lavradores do recôncavo da Bahia com
os enfraquecidos braços de cem escravos” (Souza, 1808:26)
Na citação acima Subrinho usa um trecho do livro Memorias
Sobre Capitania de Sergipe, para
legitima sua tese de que os engenhos em Sergipe eram menores. Se analisarmos
a citação abaixo, vamos perceber que não foi esse o objetivo de Souza ao fazer
essa comparação.
“Ali são mais bem tratados estes homens
desgraçados, sujeitos à lei do cativeiro; são nutridos com saudáveis alimentos
de vegetais com feijões e com milho que por toda parte colhe com abundância.” (
Souza, 1808: 26)
Porém,
mesmo que o objetivo de Souza não tenha sido a dimensão territorial dos
engenhos, mas sim a qualidade de vida dos escravos e sua produção. Não da para
dizer, que foi um uso inapropriado, pois
o trecho usado pro Subrinho deixa clara a dimensão territorial dos engenhos
Sergipanos com relação aos do recôncavo baiano.
Ainda com relação à mão-de-obra, Subrinho
vai confirma a existência de muitos braços, mais não disponíveis
a qualquer tempo, pois os mesmos não estavam expropriados de meios de
subsistência. Em vários momentos da obra a fácil subsistência é tratada por
Subrinho, tema também recorrente na obra de Souza, evidenciado nas citações
abaixo.
“ Vivem contentes os povos de todos os distritos daquela
capital, porque gozam das mais fáceis cômodas da vida humana. Nos seus mangues
se criam diversas especeis de mariscos; nos seus rios se nutrem saborosos
pescados: robalos, carapebas, piauis, tainhas e gostosas curimãs.” ( Souza,
1808: 25).
“As terras são fertilíssimas; as margens
dos rios são cobertas de húmus ou massapê em que se plantam os feijões, que
serve de ordinário sustento a todos os habitantes deste território, de sorte
que ali não há mesa em que senão apresente esta vianda”. (Souza, 1808:25).
Subrinho
vai mostra que converte população livre em mão-de-obra para a lavoura não foi
tão simples assim, foi preciso elabora medidas de repreensão à ociosidade. Engana-se
quem pensa que ser livre é ter a liberdade de não trabalha, uma aliança entre
os senhores de terras e estado foi feita, com o objetivo de criar leis que
obriga-se a população livre ao trabalho. Porém era impossível conciliar os
valores do liberalismo, da liberdade individual, pautada na constituição da
monarquia, visto como os valores fundamentais da civilização ocidental, com a
aplicação de mecanismos de coerção, com a criminalização da ociosidade, tão
defendida nos diversos jornais de Sergipe e nos relatórios da província e da
câmara. Com o argumento que tais ideais só funcionavam na Europa onde a
subsistência era difícil. As leis de coerção era uma opção pelas trevas e pelo
atraso, por isso a inviabilidade delas.
Por fim
mais não menos importante Subrinho também mostra que no nordeste também houve
crescimento econômico, em ritmo lento se comparado com o Sudeste cafeeiro, mais
houve crescimento. Além de que os escravos foram à saída econômica para muitos
senhores de engenho, em tempos de crise açucareira, pois permitiram a
transferência para o sudeste a preço de ouro de um ativo de futuro incerto. O Subrinho
vai aponta ainda as várias dificuldades enfrentadas por Sergipe com relação as
importações, exportações na produção de gêneros alimentícios. E mostra apenas
os motivos que levaram ao desenvolvimento, ou que barraram o mesmo. Sua obra
abre um campo para análise ainda vasto e com muitas possibilidades para outras
interpretações.
REFERÊNCIAS
SOUZA,
Marcos Antônio de. Memória Sobre a Capitania de Sergipe, ano de
1808. Aracaju-Sergipe, 2005.
SUBRINHO, José Modesto dos Passos. Reordenamento do Trabalho: Trabalho Escravo e Trabalho Livre no
Nordeste Açucareiro. Sergipe 1850/1930. Aracaju
Funcaju, 2000.
SILVA,
José Calazans Brandão da. Aracaju e outros temas sergipanos. Aracaju: Governo de Sergipe – FUNDESC,
1992.